domingo, 22 de junho de 2008

O combate

Cumprimentaram-se. Todos os dias, “Olá, tudo bem?”, assim davam início à conversa. Almoçavam juntos pontualmente no mesmo horário, na mesma mesa do asilo, uma mesmice sem fim. Mas isso não impedia de saudarem-se como se não encontrassem um ao outro há anos. Andavam repetitivos, os amigos de infância. Gagás?

- Tudo. Só peço para não falar no Internacional -, gemeu o sofredor. Os colorados haviam perdido nos pênaltis.

Antenor desanimou, adorava falar do time do outro. Torcia contra o Inter muito mais do que a favor do Grêmio. Era um enchedor de saco fenomenal. Juvenal já o conhecia e às suas implicâncias, por isso cortava seus naipes tão logo sentavam à mesa. Almoçavam todos os dias juntos, já contei isso?

O velho gremista sugeriu falarem sobre o Lula, então. Taí outra coisa que não caía bem na mesa. De futebol, fala-se numa boa. Agora, de política? Não dá. A política não muda nunca. E de mesmice já bastava a rotina do asilo.

A opinião de Antenor sobre o presidente, o colorado Juvenal também repudiava. Não que discordasse, é que diariamente, os dois almoçavam juntos e falavam sobre política. Política e futebol. Citar sempre as mesmas coisas cansa o interlocutor. Antenor viu um passarinho pousar na grade da varanda e sugeriu o assunto morcego, “Que morcego? O Batman?”, pensou Juvenal, mas deixou o outro seguir com a idéia.

- Os bichinhos de estimação do Batman. Morcegos verdadeiros. Eles fizeram casa deles no meu sótão. Mas é como se fosse na minha casa. Na minha cabeça.

Juvenal riu. Esse Antenor vivia nas nuvens. Trouxeram uma gamela com feijão. Juvenal e Antenor se enfrentaram com olhos opacos. Os dois gostavam do toucinho que boiava no caldo aguado. Sempre um pedaço apenas e aquela guerra na mesa. Dessa vez, Antenor levou a melhor. Juvenal emburrou-se.

- Eu sempre soube que tu tinha morcego nesse cérebro. Há muito tempo – provocou.

Antenor não ouviu. Deliciava-se com o pedaço suculento. Ria por dentro. Do que o outro estava falando, sobre morcegos? Começou a falar sobre o Internacional e o Lula. Juvenal, ainda pensando no toucinho:

- Isso não vale.

3 comentários:

ana santos disse...

Gostei, Ana! Como tu consegues? E adoro a palavra "fenomenal". Mas será que não ficaria melhor sem "é que diariamente" até "cansa o interlocutor"? Beijos!

Ana Kessler disse...

Sim, sim, boa observação. Vou rever. Obrigadíssima e que bom que gostou. Beijo e até quinta!

Vivi Grespan disse...

Oi, Ana! Teu texto está demais... consegue ser engraçado e profundo.

Beijão
Vivi