sexta-feira, 25 de abril de 2008

LOGORRALI - 24/04/2008

Ele chegou à porta, ligou a lanterna e deu um suspiro. Nunca conseguiria chegar a tempo de salvá-la. Por mais que corresse, o relógio seria mais rápido. A livraria estava para fechar, e antes que ela saísse, não haveria nada que os seguranças pudessem fazer. A bomba destruiria tudo: livros, seguranças, paparazzo, realeza. Ninguém saberia onde a bomba foi instalada, o bilhete só informava sobe o poder destrutivo do artefato, um quarteirão indo pelos ares. Ela estava agora na livraria, escolhendo um presente para ele mesmo, de quem ela nem desconfiava ser mais do que um inocente estudante. Ele buscou a maleta, as armas, saiu do porão, colocou a coleira no cachorro e saíram os dois, correndo.
Cedo ela teve uma intuição: se comprasse o James Joyce, jamais ganharia o Cervantes.
Se desse este livro como presente, saberia o que ele diria: uma princesa, ainda que tenha este título tão romântico, deveria ser mais atuante politicamente, não se preocupar com divagações filosóficas e futilidades poéticas, buscar autores relevantes para a sociedade e a economia, a democracia e o povo, ah, o povo oprimido e sofredor. Não, Joyce não. Definitivamente, Marx.
O cão revelou-se indigno de sua raça. Na segunda quadra, estava arfante, suado, com a língua de fora, e certamente, não conseguiria chegar a tempo. Se chegasse, não conseguiria farejar a bomba. Maldição. O tempo passando, o relógio da bomba em contagem regressiva. Pensava nela, tomado de amor, contrariando suas crenças. Nunca confiar na realeza. Não misturar trabalho e sentimentos pessoais. Continuou correndo, mas estava perdendo as forças e as esperanças. Não precisou consultar o relógio: a explosão o avisou que eram cinco da tarde.
Acabaram a noite sem muitas surpresas.
Sirenes, luzes, câmeras, bombeiros, corpos mutilados e fumaça, muita fumaça. Pessoas desgrenhadas, pedaços de vidro, de livros, de paredes destruídas. Cenário de destruição, atentado a bomba, como aparece volta e meia no noticiário. Em algum lugar, uma corrente com o escudo da realeza, e um pedaço de uma capa de Ulisses.
A TV, na sala deserta e escura, transmitia para as moscas os funerais da princesa; ele, entretanto, apenas agonizava.
O sangue estava na sala, no chão, nos tapetes, saindo de seus braços, pulsos abertos a navalha. Lembrava de momentos, cenas e sorrisos. Dor no peito, dor no coração, não pensar, não sentir. Cada vez mais nítida, oh, graças, ela.
O Governador, nesse dia, baixou um decreto instituindo uma nova condecoração.
Era o brasão do Livro Dourado, premiando os heróis da segurança nacional, em homenagem ao agente que nos últimos três anos, deixou de lado a identidade e vida pessoal para proteger a princesa, e que preferiu a morte por não suportar a idéia de conviver com uma missão não cumprida a contento. Ninguém soube da história verdadeira: a idéia que ele não poderia suportar era a de estar no mundo sem ela. Simplesmente, era melhor enamorado do que agente.

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