domingo, 27 de abril de 2008

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Tudo escuro, pra variar. Estes filmes são mesmo assim. Pegou a lanterna do carro, atravessou o portão, passou a mão nas rosas e feriu-se com um espinho. Chegou à porta, ligou a lanterna e deu um suspiro. Deve ter faltado luz em toda a cidade. Examinou o livro com a lanterna, pois não queria manchá-lo com sangue - claro. De manhã, atrás da porta da sala, ouviu-a dizer que cedo tivera uma intuição: se comprasse o James Joyce, jamais ganharia o Cervantes. O cachorro sentiu a sua presença e correu ao seu encontro no escuro. No clarão do raio ele o viu correr em sua direção, (que susto), era pra ser. O Pastor Alemão, ansioso na fuga derrubou-lhe o livro e a pasta. O cão revelou-se indigno de sua raça.

Na casa, com uma vela acesa na mão, sua mulher desceu a escada. A luz voltou e eles se encontraram. Abraçam-se. Pra mim eles acabaram a noite sem muitas surpresas.

Mudo de canal, cansei desse filme. Levanto da poltrona, deixando a TV ligada – tinha certeza de que ali, naquela sala deserta, escura e chata, a TV, transmitiria para as moscas os funerais da princesa; ele, entretanto, apenas agoniza naquele quarto com cheiro a mofo. Subo as escadas, para ver meu pai, eu sei, pela última vez. Do lado de fora do quarto, minha mãe fala com meu tio de política – nunca gostei dele. Entro direto no quarto passando pelos dois e só consigo ouvir a noticia de que o governador, nesse dia, baixou um decreto instituindo uma nova condecoração o algo parecido - ele sempre sonhou em receber uma. A TV do quarto, ligada, transmite o mesmo funeral. E lá está ele, tentando respirar fundo. Pele e osso.

Amanhã, quando o quarto estiver vazio, vou abrir estas janelas. Talvez o cheiro a mofo passe.

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